2017
Murmúrios de ruína
*Texto para a exposição "Desenhos dos anos 80" na Tralharia
Néri Pedroso
Arte é a condição grandiosa do passado no presente, escreve a crítica americana Susan Sontag. A artista Juliana Hoffmann segue o preceito com uma coragem pouco comum no circuito. Autora de uma produção marcada pelos paradigmas contemporâneos, não teme assumir a gênese de sua trajetória. Enquanto alguns escondem os primeiros passos, ela, ao contrário, compartilha.
Mais do que pueris paisagens, o que se percebe nestes trabalhos é um diálogo com a tradição, no caso, a imagética de Meyer Filho e Franklin Cascaes, alinhamento não negado, mas assumido porque, afinal, são obras legitimadas com prêmios que ajudaram a constituir a artista no tudo que ela representa hoje em Santa Catarina.
Os desenhos realizados entre os 14 e 16 anos não se propõem à nostalgia. Embora associada ao imaginário de um experiência bucólica num sítio da família no Rio Tavares e às lembranças juvenis, a mostra traz um entrelaçamento que refuta a melancolia. O desejo de dar visibilidade aos trabalhos mistura-se às reminiscências da juventude dos passeios no centro de Florianópolis, prática que mantém até hoje sobretudo porque adere aos projetos de uma urbe mais humanizada. A artista transita, pensa a cidade numa permanente articulação de pessoas e fatores. A base de sua produção está no percurso, na conversa, na atenta observação. Se no passado desenhava, hoje fotografa e pinta.
Discreta tessitura que entrelaça arte e memória, a exposição entrecruza tempos – hoje e ontem, os séculos 20 e 21. Com o traço, o corpo e a ação, põe o espectador no confronto de realidades distintas. A figuração lírica dos anos 1980 se contrapõe à dura realidade do momento, quando o centro de Florianópolis aglutina violência, desolação, abandono e desumanidade. Mais do que nos dar paz, esses magistrais desenhos impactam porque trazem à tona as ruínas contemporâneas e por tudo o que já foi perdido.
