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2024

Objetos contingentes de uma antropologia (ou tropologia das ants)

*Texto para o catálogo da exposição Exaptações

Raul Antelo


“Haverá um dia em que a natureza devorará a trama de fracos cenários de que o homem tenta se cercar. Os cupins comerão os arranha-céus, mais tarde ou mais cedo; as lianas selvagens bloquearão as entradas dos edifícios e a verdade do Brasil há de vir à tona finalmente”.

Albert Camus, em carta a René Char, visitando Rio de Janeiro e São Paulo, 8 agosto,1949


« Il n'est d'explosion, qu'un livre » 

Stéphane Mallarmé - « Le livre, instrument spirituel », Quant au livre, Divagations. 




A noção mallarmeana de que a única explosão é um livro me obriga a recuar a um pungente escrito de Antonin Artaud. Com efeito, “O teatro e a peste”, texto de abertura de O teatro e seu duplo, é uma conferência feita por Artaud em 1933, na Sorbonne, a convite do Dr. René Allendy, e publicada, em 1934, na Nouvelle Revue Française. Artaud fora precedido, nesse espaço acadêmico da rue Saint-Jacques, pelo físico Paul Langevin, membro do Collège de France, Amédée Ozenfant, diretor, com Le Corbusier, da revista L’Esprit nouveau, o futurista Marinetti, Juan Gris, o crítico Waldemar George, o psicanalista Alfred Adler, o músico Henri Sauguet, o filósofo Jacques Maritain, Jean Tedesco, diretor do Théâtre du Vieux Colombier, Maurice Raynal, Sonia Delaunay e a dançarina e coreógrafa Mary Wigman. Nessa sua palestra, Artaud apresentou o teatro como um exorcismo que deve primeiro provocar o mal, a peste social, para, a seguir, purgar os espectadores, graças a uma identificação com o acontecimento. Perguntou-se Artaud, na ocasião, se a peste descrita pelos médicos de Marselha, que chamava, no momento, a sua atenção, era, de fato, a mesma de 1347, em Florença, de onde saiu o Decamerão. A história, os livros sagrados, entre os quais a Bíblia, muitos tratados médicos descrevem, do exterior, todos os tipos de peste, dos quais parecem ter retido não tanto os traços mórbidos, mas a impressão desmoralizante e fabulosa que elas deixaram na sensibilidade das sociedades. Artaud constata assim que, estabelecida a peste numa cidade, seus padrões corriqueiros desmoronam, não há mais limpeza pública, nem exército, nem polícia, nem prefeitura; acendem-se fogueiras para queimar os mortos, conforme a disponibilidade de braços. Cada família quer ter sua própria fogueira. A seguir, a madeira, o lugar e o fogo escasseiam, há lutas entre famílias ao redor das fogueiras, logo seguidas por uma fuga geral, uma vez que os cadáveres já são em número excessivo. Os mortos atravancam as ruas, em pirâmides instáveis que outros animais roem aos poucos. O mau cheiro sobe pelo ar como uma labareda. Ruas inteiras são bloqueadas pelas pilhas dos mortos. É então quando as casas se abrem e pestíferos delirantes, com os espíritos carregados de imaginações pavorosas, espalham-se gritando pelas ruas.

Artaud compara, então, as imagens da peste com as imagens da poesia no teatro, força espiritual que também começa sua trajetória no sensível e acaba dispensando a realidade.


“Se quisermos admitir agora a imagem espiritual da peste, consideraremos os humores perturbados do pestífero como sendo a face solidificada e material de um distúrbio que, em outros planos, equivale aos conflitos, às lutas, aos cataclismos e débâcles que os acontecimentos nos trazem. E, assim como não é impossível que o desespero inútil e os gritos de um alienado num asilo causem a peste, por uma espécie de reversibilidade de sentimentos e de imagens, do mesmo modo pode-se admitir que os acontecimentos exteriores, os conflitos políticos, os cataclismos naturais, a ordem da revolução e a desordem da guerra, ao passarem para o plano do teatro, se descarreguem na sensibilidade de quem os observa com a força de uma epidemia”. 


Artaud conclui, portanto, que uma verdadeira peça de teatro perturba o repouso dos sentidos, libera o inconsciente e conduz a uma espécie de revolta virtual. Daí que, a seu ver, o teatro seja uma poderosa convocação de forças. “Se o teatro essencial é como a peste, não é por ser contagioso, mas porque, como a peste, ele é a revelação, a afirmação, a exteriorização de um fundo de crueldade latente através do qual se localizam num indivíduo ou num povo todas as possibilidades perversas do espírito”.


Morte, desastre


“O Garanço parado quieto, sempre empinado com a frente do corpo, semelhando que o cupim ele tivesse abraçado. A morte é corisco que sempre já veio”.

Guimarães Rosa – Grande sertão, veredas.


“Já aconteceu, no outro século, que uma horda brasileira de cupins brancos, viajando vingativamente num navio negreiro, desembarcou e enxameou lá, devorando a biblioteca pública e a maior parte do madeiramento das casas e edifícios da capital, de modo que quase toda Jamestown teve de ser recomeçada — a pau-teque e cipreste, essências que a térmita respeita... “

Guimarães Rosa – “O homem de Santa Helena”


Maurice Maeterlinck, em A vida das térmitas, alude à questão das ruínas, tema romântico reciclado pelo surrealismo, em termos de desastre.


“A termiteira tal como se estende e multiplica na sua paisagem tropical com as suas leis de bronze inacreditavelmente engenhosas, sua vitalidade, sua fecundidade formidável, seria um perigo para o gênero humano e cobriria em breve o nosso planeta se o acaso ou não sei que capricho da natureza, em geral menos clemente com relação a nós, não tivesse querido que o inseto fosse muito vulnerável e extremamente sensível ao frio. Não pode viver sob clima simplesmente temperado.

Fazem-lhe falta, como já disse, as regiões mais quentes do globo. Tem necessidade duma temperatura que vá de 20 a 36°. Abaixo de 20°, a vida para, acima de 36, os seus protozoários perecem e ele morre de inanição. Mas lá onde pode instalar-se pratica terríveis destroços: Termes utriusque Indiae calamitas summa, dizia já Lineu.

“Não há nas regiões quentes e tropicais da superfície da terra família de insetos cujos membros conduzam uma guerra tão incessante contra a obra do homem”, acrescenta W. W. Froggatt que os conhece melhor do que ninguém. Desmoronam-se as casas corroídas desde os alicerces até ao teto. Os móveis, o linho, os papéis, o vestuário, o calçado, as provisões, as madeiras, as ervas desaparecem. Nada está ao abrigo das suas depredações que têm alguma coisa de assombroso e sobrenatural, porque são sempre secretas e não se revelam senão no momento do desastre”. 


Em 1980, e na mesma Nouvelle Revue Française em que lemos Artaud, Maurice Blanchot publica A escritura do desastre. Nele argumenta que o desastre é separado, ele é aliás aquilo que há de mais separado, a própria separação, pois o desastre é sua iminência, uma vez que o futuro, tal como o concebemos na ordem do tempo vivido, pertence ao desastre. Desastre é contratempo. Desoras. Não há porvir para o desastre, assim como não há tempo nem espaço em que ele se cumpra. O desastre não tem olhos para nós, ele é o ilimitado sem olhar, o que não pode se medir em termos de fracasso, nem como a perda pura e simples.

Assim como a destruição, em sua pureza de ruína, não convém ao desastre, da mesma forma, a ideia de totalidade não marca seus limites: o Nada, no lugar do Todo, é demasiado e demasiado pouco. Somos passivos em relação ao desastre, mas o desastre talvez seja a própria passividade, nisso passado e sempre passado. Situa-se sempre do lado do esquecimento, um esquecimento sem memória, o imemorial talvez, porque o desastre é a preocupação do ínfimo, a soberania do acidental, advento do que não chega e do que viria sem chegada, fora do ser. É póstumo o desastre?, questiona-se Blanchot. É inverificável, impróprio. O pensamento do desastre, embora não extinga o pensamento, torna-nos despreocupados a respeito das sequências que pode ter para nossa vida esse mesmo pensamento. Ele afasta toda ideia de fracasso e de sucesso, toma o lugar do silêncio costumeiro e propõe, no entanto, um silêncio à parte, no intervalo, onde o outro anuncia-se, calando. Sendo pensamento, o desastre é pensamento não desastroso, pensamento do fora (Foucault publica seu ensaio sobre Blanchot, “O pensamento do exterior”, na revista Critique, em junho de 1966), ao qual não temos acesso, muito embora o fora sempre já nos tenha atingido, na cabeça, como aquilo que se precipita, fragmenta-se. Mas o fragmentário, mais do que a instabilidade, promete sempre a desconcerto, o desarranjo. O desastre é aquilo que não se pode acolher, salvo como a iminência que gratifica, à espera do não-poder. 

O desastre, com efeito, é passividade, mas o que é estranho, é que essa passividade nunca é suficientemente passiva: por isso o desastre é infinito, talvez porque a passividade se esquive a toda formulação, embora ela precise também atender a uma exigência de ir além de si mesma, acatando não exatamente uma passividade, mas uma exigência de passividade, um movimento do passado em direção ao inultrapassável, que segundo Blanchot, une passividade, paixão, passado, e o próprio pas, entendido como passo, e também como negação.

Esse programa estrutura o segundo livro de Georges Didi-Huberman, Memorandum da peste. O flagelo de imaginar (Paris, Christian Bourgois, 1983). Nele, Didi-Huberman propõe uma distância infinita entre o Si e o Mesmo, uma vez que o mundo das semelhanças é sem fronteiras: nunca se esgota uma semelhança porque ela sempre envia para mais uma, longe. O assunto envolve um conjunto de questões antropológicas porque, de um lado, a semelhança interroga o desejo do vivente e sua própria força, daí ser a imagem inesgotável. Mas, simultaneamente, perto da imagem, permanece sempre o nada, e toda a potência da imagem, tirada do abismo no qual ela se funda, só se exprime através desse nada. Nesse sentido, a semelhança questiona-nos sempre a partir da morte. Se a autêntica experiência é um saber arrancado à morte (ex perire), a imago é sempre a imagem daquilo que não existe mais. Ora, sendo a própria morte inacabada e inesgotável para os viventes, a semelhança não seria, portanto, nada mais do que seu próprio movimento, interminável e infinito por definição, movimento esse de semelhança a semelhança: do rosto vivente ao rosto retornando e dele ao nada sem rosto. Passagem da pessoa ao neutro, em que tudo se decompõe e essa dissolução é a própria recompensa da arte, por essa via reconciliada com a ausência. Lemos, assim, no Mémorandum de la peste:


« Dans un sens, Artaud s'entête dans cette grande tradition, dans cette grande rumeur d'une peste-transcendance. Il écrit qu'avec la peste l'organisme ne revendique pas la présence d'une gangrène localisée et physique pour se déterminer à mourir; que les deux seuls organes réellement atteints et lésés par la peste: le cerveau et les poumons, se trouvent être tous deux sous la dépendance directe de la conscience et de la volonté. Et que de tout cela ressort une physionomie spirituelle de la peste esprit, souffle, délire, rythme. La peste serait un délire absolu. Elle travaille les viscères, roule en eux partout, mais se libère en fusées par l'esprit. Ravage la vue: provoque l'hallucination. Ravage la mémoire: déploie l'oubli. Or la peste est contagieuse : hallucination et oubli seront contagieux. C'est- à-dire un théâtre. L'équivalent naturel et magique des dogmes auxquels nous ne croyons plus. Tous atteints, tous altérés. L'oubli de l'oubli. Nouveau jeu du monde.  l'esprit croit ce qu'il voit et fait ce qu'il croit - secret des fascinations - et le corps le suit. Le délire communicatif de la peste: à la fois virtuel et absolu (pur, fermé), et fracas des organes. Intense travail de l'abolition ».


No posfácio para a segunda edição desse texto de juventude, intitulado “L ´épidémie des mots”, Georges Didi-Huberman enfatiza a matriz alegórica, e mesmo caleidoscópica, desse procedimento que configura uma “écriture de la catastrophe”, que vai dos Desastres de Goya às História(s) do cinema de Jean-Luc Godard. A questão retorna em um dos ensaios de O humanismo alterado. A semelhança inquieta I (2023), capítulo, porém, redigido em 1994, quando o crítico define a peste como um sintoma no humanismo, precedido por um sintoma na humanidade. Com um tal conceito, em “O inimitável, ou o mal-estar na semelhança”, Didi-Huberman refere-se ao fato de que, na peste, a figura humana não se assemelha mais a si mesma. Ela, e até mesmo a Igreja, ou seja, a comunidade dos crentes, que a contém, tornam-se dessemelhantes, em função das manchas e furos que acumulam em seu corpo. Ora, a morte produz dessemelhança não só petrificando, mas, acima de tudo, liquefazendo os corpos até a condição de sujeira e excremento. Como persistir, portanto, no elogio da racionalidade e da inteligência humanas? Como insistir na lógica da cultura sub specie hominis, quando tudo se desagrega a olhos vistos?


« L'erreur de beaucoup d'historiens aura été de s'imaginer que l'art du milieu du Trecento pouvait fonctionner comme le document représentatif d'une réalité historique. Or, il n'en est rien, et il n'en peut être ainsi. D'abord parce que la peinture n'a pas pour objet, ni même pour compétence, la représentation congruente ou la description exacte d'une réalité historique: bien souvent, au contraire, son travail consiste à la dénier de toutes ses forces. Ensuite parce que les documents euxmêmes, particulièrement en temps de crise, ne représentent ni ne décrivent adéquatement ce sur quoi ils nous «documentent»: ils ne sont donc pas à brandir comme les preuves d'une réalité historique, mais comme le lieu instable, dialectique, où s'affrontent une parole (voire une information) et un silence (voire un refus d'information, voire un mensonge - dont j'ai dit plus haut qu'il était, en temps de peste, une composante essentielle des discours officiels). Tel est le degré minimal de complexité d'un document. Voilà pourquoi un même phénomène spectaculaire et bien «documenté», comme fut le développement de l'iconographie de la mort à la fin du XIV siècle, a pu être interprété dans deux sens radicalement différents, par Émile Mâle (qui y voit une preuve de religiosité) et par Johan Huizinga (qui y voit, lui, une preuve d'irréligiosité) ».


Há, portanto, uma desordem no imaginário, de que Artaud, por sinal, era muito consciente, quando argumenta que, enquanto as imagens da peste são os derradeiros jorros de uma força espiritual que se esgota, as imagens da poesia, no teatro, são uma força espiritual que parte do sensível e dispensa a realidade. A peste toma imagens adormecidas, uma desordem latente e as leva de repente aos gestos mais extremos, porque, assim como a liberdade, e tal como o sexo, ela é densa e obscura. Há muito tempo que o Eros platônico, o sentido sexual, a liberdade de vida, desapareceu sob o revestimento obscuro da libido, que se identifica, por sinal, com tudo o que há de sujo, de abjeto, de infame, no fato de viver, de se precipitar com um vigor natural e impuro, com uma força sempre renovada, em direção à vida. Artaud intui, nesse ponto, que a peste é um objeto negativo, na história da arte, um objeto para o qual a história das imagens deve ser repensada, dialeticamente, com uma história da imaginação, o que pressupõe uma perspectiva antropológica do olhar.


« Nous pouvons alors commencer de comprendre en quoi la destruction n'est ni la cause d'une histoire de l'art (au sens des œuvres produites, c'est-à-dire au sens de la Geschichte der Kunst), ni même l'objet de l'histoire de l'art (au sens du discours produit, c'est-à-dire au sens de la Kunstgeschichte). Elle n'est sans doute, de l'histoire de l'art comprise dans l'un ou dans l'autre sens, que la chose. Sa «chose», c'est-à-dire l'inabordable de sa condition la plus essentielle: ce qu'elle ne peut toucher et qui pourtant, en un sens, la constitue véritablement. Voilà exactement les «coups de silence» et les «points d'orgue» d'Antonin Artaud, leur haute valeur méthodologique. Qu'est-ce que «la chose»? Jacques Lacan répondait que c'est le terme central mais absolument étrange et étranger - «l'in- térieur exclu», disait-il - «autour de quoi tourne tout le mouvement de la représentation ». La chose en ce sens s'oppose à l'objet, du moins à l'objet dans son acception courante lorsqu'on dit, par exemple, en visitant un musée: «une collection d'objets »; ou, en ouvrant un livre d'histoire de l'art: «l'objet d'une discipline scientifique». En termes freudiens - puisque c'est d'inconscient, donc de surdétermination, qu'il s'agit exactement, dans cette hypothèse-, la chose «désigne le plan de l'au-delà du principe de plaisir», elle désigne les voies de la pulsion de mort. C'est-à-dire tout ce que l'art, non pas représente, mais ne cesse de cerner ou de concerner ».


Metamorfoses


“Macunaíma ficou muito parado entre os ninhos de cupim pra não espantar o Pai do Sono e poder matá-lo”. 

Mário de Andrade – Macunaíma (1928).


“Taurinus vermis est”.

Thomas Cantipratanus Brabantus - De natura rerum (1237-1240). 


André Breton, perante o suicídio de Maiacovski, dizia que o poeta russo tinha cabeça de térmita. Há algo de extraordinário e destrutor que fascina. Entre 1873 e 1875, o biólogo alemão Fritz Müller, instalado como colono em Blumenau, fez pioneiras e decisivas contribuições ao conhecimento das térmitas lucífugas, em quatro capítulos mais tarde reunidos em sua obra (Werke, Briefe und Leben. Ed. Alfred Möller. Jena, Verlag von Gustav Fischer, 1915), dedicados aos órgãos sexuais dos soldados Calotermes; às moradas dos cupins; às "ninfas com brotos de asas curtas”, segundo o prof. Hagen de Harvard, e às "ninfas do segundo tipo", segundo Charles Lespès, ideias todas que Müller resumia numa metáfora orientalista, a de um sultão no serralho, para, finalmente, abordar as larvas de Calotermes, que eram aliás de vários tipos, mais de mil, a rigor: o Termes bellicosus, o nemorosus, o incertus, o vulgaris, o Coptotermes, o borneensis, o mangensis, o Rhinotermes, o Termes planus, o tenuis, o malayanus, o viator, o Termes longipes, o foraminifer, o sulphureus, o gestroi, o Termes carbonarius, o  Termes latericus, o lacessitus, o dives, o gilvus, o azarellii, o translucens, o speciosus, o comis, o laticornis, o brevicornis, o fuscipennis, o atripennis, o ovipennis, o regularis, o inanis, o latifrons, o folicornis, o soridus, o laborator, o Capritermes, o Termopsis, o Colotermes rugosus, nodulosus, hagenii, o Termes lespesii, o Eutermes inquilinus, o Anoplotermes pacificus, e mais alguns ainda. Nas colônias de cupins, regidas por sólida hierarquização funcional, discriminam-se os estéreis, que são os construtores e defensores da comunidade, dos férteis (macrópteros, braquípteros e ápteros), cuja missão consiste em perpetuar a espécie. Os construtores, com órgãos sexuais atrofiados, dividem-se, por sua vez, em duas castas: os soldados, de cabeça grande e poderosas mandíbulas; e os operários, que cuidam das larvas e da rainha. Mínimos e moles, subdividem-se estes em dois outros grupos, grandes e pequenos, encarregados os mais fortes da alimentação do conjunto, ao passo que os miúdos, bem mais numerosos, cuidam da alimentação dos soberanos, vinte vezes mais farta do que a dos operários.

A referência à sociabilidade dos cupins, através da metáfora orientalista, é um sintoma, muito relevante, ao menos para um darwinista como Fritz Müller, de um projeto redentor romântico, que nos remete, sensivelmente, a O rapto do serralho, de Mozart, ou a gravuras como La danse pour le sultan e às cenas nos aposentos do príncipe persa Malik Kasim Mirza, realizadas por Jean-Baptiste Eugène Napoléon Flandin e divulgadas pela Revue des deux mondes (1852), tópico esse que atravessa outros relatos orientais, como os do capitão Burton, Nerval, Vigny Flaubert ou Volney. Acostumado a esses relatos de artistas e peregrinos, Müller compreende que a experiência e o testemunho pessoais devem deixar de ser documentos puramente individuais para se tornarem códigos persuasivos de um saber orientalista mais abrangente. Tal como na natureza, no relato da experiência cultural, deve também ocorrer urna metamorfose, modelo diverso ao da revolução, abandonando o depoimento pessoal para chegar ao documento oficial; passando do registro da residência, focado em descrições simplesmente autobiográficas e indulgentes, para análises sobre as quais o orientalismo como prática e, mais adiante, os orientalistas, em particular, pudessem construir e projetar suas observações e descrições científicas, com objetividade universal.

Na sequência, portanto e há um século já, em 1923, Aby Warburg definia sua biblioteca, mas também seu próprio trabalho, como uma psicologia histórica da expressão (eine Urkundensammlung zur Psychologie der menschlichen Ausdruckskunde). Essa sua “ciência sem nome” era, na verdade, uma metamorfose (como essas estudadas por Müller) da história da arte convencional, abordada não mais como uma história de objetos e sim como a história de uma psyché materializada em estilos, pathos formulae, fantasias, símbolos e crenças, que Warburg englobava como expressão (Ausdruck). Nessa tensão de forças, a Ninfa (tal como a deusa dos Calotermes catarinenses estudados por Müller) era uma figura impessoal, a heroína do encontro movente / comovente, causa externa que, no entanto, suscitava um movimento ao interior do corpo, estremecimento efêmero, porém, organicamente soberano, em que se confundem a dançarina e Diana, a servente e Vitória. Aérea e esquiva, ela é, contudo, tátil, porque configura, na perspectiva nietzscheana adotada por Didi-Huberman uma "crise decisiva", um momento equilibrista ou fio da navalha, em que o êxtase delicioso prende-se, de modo absoluto, a um horror igualmente prodigioso.


“Em que a emergência do que há de ‘mais íntimo’, mesmo que possa estar ligada à ‘diferença entre os sexos’, consuma subitamente a ‘ruptura do princípio de individuação’? Em que as formas do conhecimento desnorteiam-se bruscamente, por ‘sofrerem uma exceção’? Que é, enfim, esse momento em que vêm debater e se entrelaçar o presente do páthos e o passado da sobrevivência, a imagem do corpo e o significante da linguagem, a exuberância da vida e a exuberância da morte, o gasto orgânico e a convenção ritual, a pantomima burlesca e o gesto trágico? Que é esse momento, afinal, se não o do sintoma, o dessa exceção, dessa desorientação do corpo e do pensamento, dessa ‘ruptura do princípio de individuação’, dessa ‘emergência do mais íntimo’, na qual só o que permite pensar é a psicanálise freudiana, contemporânea de Warburg?”


A Ninfa erotiza, portanto, o combate entre a vida e a morte e, nesse sentido, encarna um desses dinamogramas menádicos de fim-de-século, tão bem explorados por Loïe Fuller, na dança, ou por Étienne-Jules Marey, na fotografia; pela art nouveau e pela poesia simbolista; por Hoffmanstahl e Mallarmé; por Rubén Darío e Cruz e Souza, por Proust e Maeterlinck.

A propósito, em 1926, inspirado talvez por André Gide, Maurice Maeterlinck publicou A vida das térmitas (La Vie des Termites), livro inspirado no trabalho do entomologista Eugène Nielen Marais, A alma da térmita (Die Siel van die Mier). Justamente nele, Maeterlinck louva os cupins, mesmo sem uma bibliografia tão extensa quanto a dos himenópteros, em função de sua singular organização política, econômica e social, que, a seu ver, prefigurava o rumo que tomariam as sociedades ocidentais. Avaliava, assim, os pequenos insetos como grandes utopistas que, à procura dos limites em que a imaginação se refrata e difunde, à maneira de um raio de luz, encontravam modelos de sociedades futuras, que, se nos apresentassem tão fantásticas, tão inverosímeis e, porventura, tão proféticas, quanto as que poderíamos encontrar em Marte, Vênus ou Júpiter, tão alucinantes como um pesadelo de Odilon Redon, ou como a visão alteromundista de William Blake. Além disso, os cupins, semelhantemente aos homens, teriam recebido uma condenação injusta, perversa, irônica, caprichosa, ilógica, ou mesmo pérfida, muito embora, às vezes melhor até do que os próprios homens, eles tenham sabido tirar proveito de uma pequena força, invisível, que neles chamamos instinto e, em nós, inteligência. Graças a ela, os cupins conseguiram transformar-se e criaram as próprias armas. São, além do mais, extravagantes arquitetos, uma vez que não constroem, como nós, suas casas a partir do exterior, mas sempre desde dentro. Sendo cegos, os cupins não veem o que edificam. Contudo, conseguem combinar o oxigênio da atmosfera com o hidrogênio de sua alimentação vegetal, de modo que, conforme se evapora, eles reconstituem a água de que carecem, o que nos permite concluir que, além de arquitetos, os cupins são químicos e biólogos sutis, cuja castração voluntária substitui o matriarcado. 

A proposta de Maeterlinck, leitor de Koenig, Smeathmann, Hagen e até mesmo de Fritz Müller, sintoniza, como se vê, com a teoria monadológica de Gabriel Tarde, contestatária do modelo evolucionista. Com efeito, a hipótese naturalista, diretamente derivada do darwinismo dominante entre os modernos, propunha uma medida compartilhada pelos seres vivos e animados, conforme sua visão substancialista, calcada nas essências, tanto dos indivíduos quanto das espécies, regidos todos pela mesma ideia de evolução. Já a visão monadológica, de Tarde ou Maeterlinck, escapa dos entes em direção às relações entre eles. Os cupins, tanto como todos os outros agentes que povoam o mundo, não se reduziriam, então, a serem simples entes biológicos. O abismo entre a natureza dos seres inorgânicos e a natureza dos seres vivos não é instransponível, para Tarde, e assim sendo, a Vida, como instância monadológica, não se limitaria aos seres animados e muito menos aos racionais, já que, a seu ver, ela predomina, na metamorfose e transformação das espécies, como um fenômeno profundamente relacional. Não é fortuito, portanto, que, onde Marais via a alma (die Siel), Maeterlinck visse, pelo contrário, a Vida (la Vie), o que permite afirmar que uma sociedade não é, portanto, uma totalidade, mas uma multiplicidade de agentes atuando uns sobre os outros, em regime de causalidade recíproca, de tal forma que constituem singularidades, que não são extensas, mas intensivas. O relevante, em suma, é o processo, um processo imanente de ação, de uma força sobre outras. Assim, então, Maeterlinck conclui seu ensaio sobre os cupins:


“A situação do homem é trágica. Seu principal, talvez seu único inimigo, e todas as religiões o sentiram e estão de acordo neste ponto, porque sob o nome de mal ou pecado é sempre dela que se trata, é a matéria; e por outro lado, nele tudo é matéria, a começar por aquilo que a desdenha, a condena e quereria dela a todo o custo evadir-se. E não somente nele, mas com tudo, porque a energia, a vida não é senão forma, movimento da matéria, e a própria matéria, tal como a vemos no seu bloco mais maciço, em que nos parece morto para sempre, inerte e imóvel, suprema contradição, é animada duma existência incomparavelmente mais espiritual que a do nosso pensamento, porque deve à mais misteriosa, à mais imponderável, à mais invisível das forças, fluídica, eléctrica ou etérica, a formidável, vertiginosa, infatigável, imortal vida dos seus elétrons que desde a origem das coisas turbilhoavam como planetas à roda dum núcleo central. Mas enfim, de qualquer lado que vamos, chegaremos a alguma parte, atingiremos alguma coisa; e isto será outra coisa que o nada, porque de todas as coisas incompreensíveis que atormentam o nosso cérebro, a mais incompreensível é certamente o nada. É verdade que praticamente para nós o nada é a perda da nossa identidade, das pequenas recordações do nosso ou, isto é, a inconsciência. Mas, no fim de contas, isto não é mais que um ponto de vista de campanário que é preciso ultrapassar”.



Hieróglíficos


« Looking on darkness which the blind do see ».

Shakespeare – Soneto XXVII.


Os sintomas de dessemelhança generalizada, como a onipresença da morte e a desfiguração em massa, vindas de epidemias e pestes, encontraram, no dogma cristão, um paradigma de legibilidade, alimentado pelos flagelos bíblicos e os relatos apocalípticos. Integraram-se nessa tendência os Exercícios espirituais (1522), de santo Inácio de Loiola; o Livro das preces e da meditação (1554), de frei Luís de Granada; O berço e a sepultura para o próprio conhecimento e desengano das coisas alheias (1634), de Francisco de Quevedo e, notadamente, o Discurso da verdade (1671), de Miguel de Mañara, visando convencer os irmãos da Santa Caridade de Sevilha a respeito da necessidade de doarem seus bens aos pobres para assim garantirem a salvação eterna. O texto de Mañara, em particular, é decisivo para compreender uma das obras mais características daquela contra-cara de Murillo que era o pintor sevilhano Juan de Valdés Leal: Finis Gloriae Mundi (1672), pintada na igreja do Hospital da Caridade de Sevilha, tela em que se destacam os cadáveres de um bispo e de um cavalheiro da ordem de Calatrava, devorados ambos por vermes, mas fundamentalmente, por cupins. 


“Valdés Leal tiene cincuenta años por estos días; vive pobre y desalentado. Trabajó mucho, padeció más y los laureles que su arte le trajo son como flores de ceniza en la desilusión de su madurez. Este es el hombre que necesita Mañara, y por eso se entienden tan pronto y bien, pintor y caballero. El uno es la idea, el pensamiento, la verdadera fuerza creadora. El otro, el ejecutor apasionado de cuanto late en esta palabra horrífica y turbadora. Así nacen esas dos terribles y maravillosas pinturas de Los jeroglíficos que, como señala muy bien Gestoso, recuerdan el famoso fresco de Andrea Orcagna El triunfo de la muerte, así como el de Watts, de la Tate Gallery de Londres, intitulado Sic transit gloria mundi. Ninguna de estas dos obras, al decir del mentado crítico, son superiores en realismo y grandeza a los dos lienzos del sevillano, ni hablan tan enérgicamente a nuestros sentidos sobre lo efímero y banal de las pompas terrenas”.


Eugeni d´Ors chegou a associar essa imagem às danças dionisíacas. Gómez de la Serna exemplificou o que ele chamava de gemelismo com a poesia de Quevedo e a pintura de Valdés Leal e, nesse sentido, em suma, o hieróglifo apocalíptico de Valdés Leal projeta-se, a futuro, em A Idade de Ouro (1930), o filme de Luís Buñuel e Salvador Dali, mas também em outras vanitates contemporâneas, como a Dançarina-caveira de Dali, que recupera os crânios moles do Ângelus e dos Cantos de Maldoror, para serem potencializadas em O rosto da guerra (1940; Museum Boijmans van Beuningen, Rotterdam) e a performance sobre Dalí e a caveira, fotografada por Philippe Halsman (1951, Fundació Gala-Salvador Dalí, Figueres).


Contingência e cupins


« Alphaville, c’est une société technique, comme celle des termites ou des fourmis. »

Jean-Luc Godard – Alphaville (1965).


“Era em junho e botar a cabeça para fora das portas ou das janelas sem vidros, apodrecidas e gretadas do tempo, fora impossível: a chuva desabava em cachoeira e a ventania, larga e funda, poderia arrancar as cumieiras esburacadas pelo cupim e a mamangava”. A citação de “E não voltou” (1945), relato de Othon Gama d´Eça, é retirada de seu livro Homens e algas (1957), cujas personagens provinham de ranchos rústicos, de lama batida e grossas janelas de pau. Muitas dessas pessoas habitavam quartos “cheirando a pobreza e a sanapismos, gemendo com a pontada ou, apáticos e lívidos, com um pano velho amarrado à cabeça quieta e muda”, mas a maior parte deles, porém, “a tormenta afogou dentro de uma onda e o mar, depois, com outros detritos, os devolveu à terra, já esponjosos, moles e podres”. Um dos leitores, Ricardo Luiz Hoffmann, escreve: “o mar retém todos os resíduos da origem / enquanto o passado volta ao chão consagrado”. O artista cria, portanto, a partir de restos e relíquias da sua própria comunidade. 

Retenhamos essa ideia de Homens e algas porque ela se aplicará, no caso de Juliana Neves Hoffmann, a um conjunto heteróclito de livros da biblioteca paterna, o de Gama d´Eça dentre eles, com que a artista começa a trabalhar por volta de 2000. Todos esses volumes compartilham, no entanto, um traço indelével: sofreram a contingente intervenção dos cupins. Poeira do saber. São, antes de mais nada, livros de referência, como o Oxford Home Atlas of the World, editado em 1955 pelo Cartographic Department da Clarendon Press, para uso predominantemente doméstico; a clássica enciclopédia BARSA; ou então a edição 1978 (a original é de 1936, mas há também uma de 1939), do dicionário Cassell alemão-inglês, preparado por Harold T. Betteridge. A eles se somam algumas obras panorâmicas, que definem o que um leitor medianamente culto, da primeira metade do século XX, devia conhecer: The Building of the Modern World (1942), de John Adams Brendon; The French Revolution (1916), de um discípulo de Sorel, Louis Madelin; as Maravilhas do Conto Francês antologizadas por Diaulas Riedel ou a English Social History: A Survey of Six Centuries, Chaucer to Queen Victoria (1946), de George Macaulay Trevelyan. A eles se somam, ainda, alguns textos ficcionais de gosto não menos eclético: os poemas de Robert Frost; os relatos de ficção científica de Ray Bradbury, como The Illustrated Man (1951) ; The Pocket Book of O. Henry, uma antologia preparada por um colunista da New York Book Review, Herschel Brickell; Histórias dos Mares do Sul, de W. Somerset Maugham; o pastiche Monsignor Quixote (1982), de Graham Greene ou Death in Venice, de Thomas Mann, a edição Vintage Books (1954), do clássico relato pestífero de Gustave von Aschenbach. Por último, uma coleção de capa dura, livrinhos de não mais de 60 páginas, com que, por volta de 1995, a Penguin Books comemorou seu 60º aniversário: Bartleby de Herman Melville; The Dreaming Child, de Isak Dinesen; The Pavilion on the Links, de Robert Louis Stevenson; Baa Baa, Black Sheep, de Rudyard Kipling; First and Last, de Truman Capote e fragmentos da autobiografia Pages from a Scullion´s Diary de George Orwell.

O trabalho de Juliana Hoffmann, bem como a flexibilização de parâmetros da artista venezuelana Gego (Gertrud Goldschmidt, 1912-1994), ou a fusão de aracnologia e astrofísica (Galaxy; The Cosmic Dust Spider Web Orchestra; Musical Quase-Social IC 342; From Arachnophobia to Arachnophili; Aerocene) de Tomás Saraceno (1973-  ), um explícito admirador de Gyula Kosice, poderiam, consequentemente, ser pensados à luz de uma recusa do antropocentrismo ontológico, tal como proposta pelos novos realismos, que representam um retorno à ontologia, na medida em que aproximam-se do ser enquanto ab-soluto, isto é, algo separado e independente da consciência. 

Com efeito, depois do argumento cosmológico formulado por Leibniz em Princípios da natureza e da graça (1714), quem intuía que não há história universal senão da contingência, Henri Bergson sempre defendeu a ideia de que há contingência radical no progresso, e portanto, duração. Contudo, um realista lógico como Morris Cohen ainda entendia a contingência como um elemento irracional, no sentido de que toda forma é a forma de algo que não pode reduzir-se a uma simples forma. Mas os novos realistas, leitores de Heidegger, passam a conceber uma ontologia em que todos os entes são, fundamentalmente, contingentes. Eles não podem aliás ser nada além do que contingentes, donde a própria contingência torna-se um traço necessário. A contingência, para Quentin Meillassoux, por exemplo, é o saber da metamorfose, o poder-ser-outro da coisa mundana, axioma que se desdobra em dois: de um lado, a não contingência da contingência, ou seja, a sua imperiosa necessidade e, de outro, o fato de que a contingência não pode ser um atributo contingente do ser, em outras palavras, a contingência é ontologicamente necessária ao ser. Nestes casos, os cupins em Hoffmann, as aranhas em Saraceno, ambos entes cegos, traçam figuras, regidas pelos princípios de não-contradição e da impossibilidade do Todo, pelo infinito e o indefinido, pelo argumento ontológico e pela identidade, como marcas da eternidade na consistência do signo, figuras essas que derivam, por sua vez, da necessidade da contingência e delimitam, em suma, aquilo que o ente pode ser, e nesse sentido, determinam aquilo que o ente precisa ser para ser ente. 

A partir da diferença ontológica de Heidegger e da différance de Derrida, o novo realismo entende que o ente é um ato, e portanto, contingente, ao passo que o ser, pelo contrário, é necessário. O presente vivo é constituído pelo traço e, sob esse ponto de vista, não há diferença entre a representação efetiva e a representação fictícia, o que não significa, necessariamente, ceticismo cínico, mas um exame transcendental das condições da presença, em que os conceitos de «ato» e «originário» tornam-se problemáticos. “O ser que nos surpreende é a nossa casa e o nosso túmulo”. O ser não é um ente, nem um fato, mas algo estritamente necessário. O ente não é necessário; mas a contingência é. As figuras destes artistas são, portanto, aproximações especulativas ao absoluto, em outras palavras, ao hipercaos, em que tudo, a começar da própria cultura letrada, seus textos, seus códigos, seus mapas, pode realmente colapsar, não atendendo a uma lei superior, que destinaria qualquer coisa a seu desaparecimento, mas em virtude da ausência de um imperativo capaz de preservar da perda o que quer que seja. 

A contingência como puro possível, um possível elevado à condição de uma subjetividade (esse possível buscado, ao menos, desde Duchamp) não afirma apenas que tudo pode acontecer, mas sustenta também que nada aconteça e até mesmo que aquilo que é continue sendo aquilo que ora é. Poder-se-ia, em última análise, pensar mesmo em um desaparecimento tanto da necessidade quanto da contingência, uma vez que a noção de “obra de arte” torna-se necessariamente contingente ou contingentemente necessária, ao oscilar entre o “não poder não ser” da necessidade e o “poder não ser” da contingência. É por isso, por exemplo, que Agamben fala do irreparável, aquilo que não fundamenta nenhuma liberdade, ou seja, algo que não pode não ser e por isso mesmo revela uma contingência elevada ao segundo grau, à maneira de Bartleby. “Tudo que é real se extingue atrás da casca do ovo. Tudo que espera continua na bolsa, os braços cruzados, a testa apoiada no umbigo. Nenhuma imagem pode contrariar a sabedoria que conserva o ser num círculo”. 

Se as vanguardas trabalharam com um eu fóssil, Meillassoux, no entanto, nos propõe considerar a matéria fóssil, não exatamente como aqueles materiais que conservam traços de vida passada, mas como aquilo que, no entanto, indica a existência de um acontecimento ancestral. Um arquifóssil designaria, então, o suporte material a partir do qual experimentamos o lugar possível para um fenômeno ancestral. No seu caso, abre-se, nesse ponto, a perspectiva ética de um deus imanente e virtual, pura imagem. Meillassoux é um fino leitor de Mallarmé, o artista tão preocupado pelo controle do acaso, quanto ciente da impossibilidade de aboli-lo, daí seu recurso ao talvez (peut-être), que marca a contingência da própria possibilidade recusada, através de uma obra-constelação que é, simultaneamente, início e epílogo do moderno. Esse paradoxo nos permite constatar que, na ideia do Livro-sob-intervenção de Juliana Hoffmann, nos deparamos com versões não mais domésticas, porém públicas, que guardam relações com a arte conceitual e outras manifestações de arte efêmera. São intervenções que, em sua contingência, compartilham absoluto imediatismo e, em paralelo, significação diferida. O imediatismo passa pela relação chocante, de nojo ou estupor, entre o artista e o público, ao se depararem com um humanismo alterado e abjeto, as relíquias dos cupins; o diferimento, por sua vez, efetiva-se pela disseminação de um conhecimento, cujo acesso por parte da audiência é previamente mediado pela artista, quem decidirá, em última instância, quanto ela mesma nos permite conhecer desses livros, das leituras de seu pai, das escolhas do proprietário, mas não menos dela própria, ao contemplá-los como objetos contingentes.

O manifesto realista de Gabo, Nicholson e Martin negava o milenar preconceito egípcio de que os ritmos estáticos são a única base possível para uma escultura e proclamavam, em compensação, os ritmos cinéticos como uma parte nova e essencial da obra escultórica, por serem as únicas expressões reais e possíveis das emoções do Tempo". Indignado contra aqueles que chamavam seus trabalhos de abstratos, Brancusi definia-os como o que havia de mais realista, pois o que é real não é a forma exterior, mas a ideia, a essência das coisas. Os objetos contingentes de Juliana Hoffmann pautam-se por um novo realismo que toma a vida como campo de potenciais explorações.


 


1 CAMUS, Albert – CHAR, René - Correspondance 1946-1959. Ed. Franck Planeille. Paris, Gallimard, 2007, p. 44. Na mesma carta louva o interesse pela poesia de Char que constatou em Oswald de Andrade e Murilo Mendes.

2 MALLARMÈ, Stéphane – Œuvres complètes, Paris, Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 2003, t. II, p. 226.

3 René Allendy (1889-1942), introdutor da psicanálise na França, criou, em 1922, o “Grupo de estudos filosóficos e científicos para o exame das novas ideias”. Fundou também a Société Psychanlythique de Paris (1926) e o Instituto de Psicanálise (1934). Estudioso de homeopatia, esoterismo e numerologia, foi o analista, não só de Artaud, como também de René Crevel, Maurice Sachs, Anaïs Nin e muitos outros artistas. É autor, com Yvonne Nel-Dumouchel de Capitalismo e sexualidade (Paris, Denoël,1932). Numa publicação sobre Artes plásticas (1929), constante do acervo Allendy (IMEC), o próprio dr. Allendy manifesta:

“Vous vous adressez au psychanalyste et je dois vous dire que je me refuse absolument à considérer comme des « cas » les artistes dans leur production. Sans doute l'œuvre d'art provient généralement d'un inconscient douloureux et peut porter les traces d'une angoisse plus ou moins facile à diagnostiquer, mais ceci n'a rien à voir avec sa valeur. Tant que l'œuvre reste la traduction quelconque d'un état psychopathique, entièrement liée à ce dernier (comme la plupart des dessins de fous), elle ne présente, il me semble aucun intérêt artistique. L'œuvre d'art au contraire, se détache de la névrose possible qui l'a inspirée, prend une vie propre, libre, indépendante de la disant réalité, au-delà par conséquent des critères du raisonnable. Elle cite comme tout ce qui vit un courant de sympathie et d'antipathie et rester entourée de son mystère que nous ne saurions sonder sans le détruire”.

4 Ver MEFFRE, Liliane – « Carl Einstein et le docteur René Allendy: un nouveau regard sur l'art? » in IDEM e SALAZAR-FERRER, Olivier - Carl Einstein et Benjamin Fondane. Avant-gardes et émigration dans le Paris des années 1920-1930. Bruxelas, Peter Lang, 2008, p.51-8, bem como a correspondência de Carl Einstein e Allendy in KIEFER, Klaus e MEFFRE, Liliane (eds.) – Carl Einstein. Briefwechsel 1904–1940. Stuttgart, J.B. Metzler,2020, p 399–417.

ARTAUD, Antonin. – O teatro e seu duplo. Trad. Teixeira Coelho. 2ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p.19.

5 IDEM – ibidem, p. 21.

6 IDEM – ibidem, p. 21-2.

7 IDEM – ibidem, p. 24.

8 IDEM – ibidem, p. 27.

9 ROSA, João Guimarães – Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro, José Olympio, 1958, p.204.

10 In “Letras e Artes”, suplemento de A Manhã. Rio de Janeiro, 2 maio 1953, mais tarde incorporado a Ave, palavra (1970).

11 MAETERLINCK, Maurice – A vida das térmitas. Trad. Carlos Lobo de Oliveira. Lisboa, Clássica, 1933, p.123-4.

12 BLANCHOT, Maurice – « L’Écriture du désastre », La Nouvelle Revue française, n°330-331, jul. – ago. 1980, p. 1-33, editada nesse mesmo ano, como livro, por Gallimard.

13 BIDENT, Cristophe – “Les mouvements du neutre” in ALEA, vol. 12, nº 1. Rio de Janeiro, jan.-jun. 2010, p.13-32.

14 DIDI-HUBERMAN, Georges – Mémorandum de la peste. Paris, Christian Bourgois, 2006, p. 138-9.

15 « Benjamin semble également avoir affectionné le mot kaléidoscope \[...] démontage erratique de la structure des choses ». DIDI-HUBERMAN, Georges - « Connaissance par le kaléidoscope. Morale du joujou et dialectique de l’image selon Walter Benjamin », Études photographiques, maio 2000, no 7 ([http://etudesphotographiques.revues.org/index204.html](http://etudesphotographiques.revues.org/index204.html)).

16 DIDI-HUBERMAN, Georges – Mémorandum de la peste, op.cit., p.185.

17 IDEM – L´humanisme altéré. La ressemblance inquiete, I. Paris, Gallimard, 2023, p.111.

18 IDEM – ibidem, p.120.

19 ANDRADE, Mário de – Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Ed. Telê Ancona Lopez. 2ª ed. Brasília etc, ALLCA XX, 1996, p.127.

20 MÜLLER, Fritz – “Beiträge zur Kenntniss der Termiten \[...] Cf. CASTRO, Moacir Werneck de - O Sábio e a Floresta. A Extraordinária Aventura do Alemão Fritz Müller no Trópico Brasileiro. Rio de Janeiro, Rocco, 1992.

21 Dentre eles, HÄNTZSCHE, J.C. - « Haram und Harem » in Zeitschrift für allgemeine Erdkunde. Berlin, Reimer, 1864, p.409-434 ; HARVEY, Annie Jane - Turkish Harems and Circassian Homes. Londres, Hurst & Blackett,1871; \[...]

22 COCCIA, Emanuele – Metamorfoses. Trad. Madeleine Deschamps e Victoria Mouawad. Rio de Janeiro, Dantes, 2020.

23 MÜLLER, Fritz – “A metamorphose de um Insecto Diptero” \[...] identificado como Curupira, termo tupi que designa o corpo infantil de uma divindade das florestas, segundo Ermano Stradelli, significando, ainda, “coberto de pústulas” ou “pele de sarna”.

24 DIDI-HUBERMAN, Georges – A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Contraponto, 2013, p.229.

25 Em sua Viagem ao Congo, publicada na Nouvelle Revue Française (1926), André Gide admite que, se lhe fosse dada uma segunda vida, dedicaria ela ao estudo das térmitas.

26 MAETERLINCK, Maurice – La vie des termites. Paris, Bibliothèque-Charpentier, Eugène Fasquelle, 1926. Existe uma tradução brasileira: A vida das térmitas. Rio de Janeiro, J.O Antunes, 1933. \[...]

27 MAETERLINCK, Maurice – A vida das térmitas, op.cit., p. 203-4; TARDE, Gabriel - Monadologia e Sociologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo, Cosac Naify, 2007; \[...]

28 “En el fondo de sus hundidas y negras órbitas \[...] VALDÉS LEAL, que, exibidas em o Hospital de la Caridad sevillano, tanta tinta han hecho correr acerca de la psicología ascética de España”. D´ORS, Eugeni – “Bacanales”. ABC. Madri, 9 mar. 1929.

29 MASSA, Pedro – Juan de Valdés Leal. Buenos Aires, Poseidón, 1942, p.19. Cf. também BERUETE y MORET, Aureliano de - Valdés Leal. Estudio crítico, Madrid, Victoriano Suárez, 1911; VALDIVIESO, Enrique - Juan de Valdés Leal, Sevilla, Guadalquivir, 1988; Valdés Leal (1622- 1690). Ed. Ignacio Cano Rivero, Ignacio Hermoso Romero e María del Valme Muñoz Rubio. Sevilla, Consejería de Cultura y Patrimonio Histórico de la Junta de Andalucía, 2021.

30 “Un día, cuando la descomposición del mundo griego \[...] lógicas e formas de conhecimento contemporâneas. Madrid, Universidad Complutense, nº3, 2020, p. 160-173; \[...]

31 SERNA, Ramón Gómez de la Serna – “Gemelismo: Quevedo y Valdés Leal”. La Nación. Buenos Aires, 25 ago.1946, 2ª seção, p. 1.

32 HOFFMANN, Ricardo L. - Casa da matéria. Florianópolis, Edição do Autor, 2018, p. 19.

33 “Allí no quedaba nada, sino el polvo del saber. La codiciada biblioteca no era más que un montón de basura. Cada incunable había sido roído, corroído por el abandono, el tiempo, la incuria, la ingratitud, el desuso. Los ojos que interpretaron esos signos hacía años además que estaban enterrados, nadie tomó el relevo y en consecuencia lo que foi em uma época fonte de luz e de prazer era agora excremento, caducidade. A duras penas logré desenterrar um livro en francés, milagrosamente intacto, que conservé, como se conserva el hueso de um magnífico animal prediluviano. El resto naufragó, como la vida, como quienes abrigan la quimera de que nuestros objetos, los más queridos, nos sobrevivirán. Un sombrero de Napoleón, en un museo, ese sombrero guardado en una urna, está más muerto que su propio dueño”. RIBEYRO, Julio Ramón – “El polvo del saber” in La palabra del mudo. Cuentos 1952-1977, Lima, Milla Batres Editorial, 1977, tomo III.

34 “Estas estruturas tridimensionais rizomáticas, são potenciais modelizações de estruturas de micro e macro sistemas complexos, semelhantes aos que organizam os átomos ou o universo, mas que também possibilitam modelizar sistemas sociais. O estudo comportamental da aranha e os processos de elaboração da teia, a resistência dos fios quando solidificados, a energia tensional que através deles se repercute, são objetos de estudos e investigações importantes tanto para as obras de Saraceno como para inúmeros estudos noutras áreas científicas”. RITA, Dora Iva – “Tomás Saraceno: o pós‑Antropoceno” in Croma. Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas‑Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas‑Artes, vol. 5, nº 10. Lisboa, julho/dezembro 2017, p.119. Ver, ainda, REGO, Miguel Á. - “Nuevas formas de habitabilidad y relación con el mundo: Gordon Matta‑Clark y Tomás Saraceno” in FLUXÁ, Bárbara; MORILLA, Santiago (eds) - arte, humanidad, tecnología, naturaleza. Accesos. prácticas artísticas y formas de conocimiento contemporáneas. Madrid, Universidad Complutense, nº3, 2020, p. 160‑173; ARRHENIUS, Sara, GRANSTRÖM, Helena, JÄGER, Peter, KASTNER, Jeffrey, ULRICH‑OBRIST, Hans, SARACENO, Tomás – 14 Billions. Milão, Skira, 2012.

35 Desde Matière et mémoire (1896), Bergson tenta fundamentar, na memória, entendida como capacidade do rastro, a mediação entre extensão e pensamento e julga, em consequência, que tudo quanto é contingente é igualmente decisivo na evolução. “Dizíamos, com efeito, que toda ordem aparece necessariamente como contingente. Se há duas espécies de ordem, essa contingência da ordem explica-se: uma das formas é contingente com relação à outra. Ali onde encontro o geométrico, o vital era possível; ali onde a ordem é vital, poderia ter sido geométrica. Mas suponhamos que a ordem seja por toda parte da mesma espécie e simplesmente comporte graus, que vão do geométrico ao vital. Uma vez que uma ordem determinada continuará a me parecer contingente e já não poderá mais sê-lo com relação a uma ordem de outro gênero, acreditarei necessariamente que a ordem é contingente com relação a um estado de coisas ‘no qual não haveria ordem de modo algum’. E acreditarei pensar nesse estado de coisas porque ele está implicado, ao que parece, na própria contingência da ordem, contingência esta que é um fato incontestável. Portanto, porei no topo da hierarquia a ordem vital, depois, como uma diminuição ou uma menor complicação desta, a ordem geométrica e, por fim, lá embaixo, a ausência de ordem, a incoerência mesmo, às quais a ordem se superporia. É por isso que a incoerência me dará a impressão de uma palavra por trás da qual é preciso que haja algo, senão realizado, pelo menos pensado. Mas se eu notar que o estado de coisas implicado pela contingência de uma ordem determinada é simplesmente a presença da ordem contrária, se, por isso mesmo, puser duas espécies de ordem, uma inversa da outra, perceberei que não seria possível imaginar graus intermediários entre as duas ordens e que tampouco seria possível descer dessas duas ordens para o ‘incoerente’. Ou o incoerente é apenas uma palavra vazia de sentido, ou, se lhe confiro uma significação, é com a condição de pôr a incoerência a meio caminho entre as duas ordens e não em baixo de ambas. Não há o incoerente primeiro, depois o geométrico, depois o vital: há simplesmente o geométrico e o vital, e depois, por uma oscilação do espírito entre um e outro, a ideia do incoerente. Falar de uma diversidade incoordenada à qual a ordem vem se acrescentar é, portanto, cometer uma verdadeira petição de princípio, pois ao imaginar o incoordenado pomos realmente uma ordem ou, melhor, pomos duas. Essa longa análise era necessária para mostrar como o real poderia passar da tensão para a extensão e da liberdade para a necessidade mecânica por via de inversão. Não bastava estabelecer que essa relação entre os dois termos nos é sugerida ao mesmo tempo pela consciência e pela experiência sensível”. BERGSON, Henri – A evolução criadora. Trad. Bento Prado. São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 256‑7.

36 COHEN, Morris Raphael – Studies in Philosophy and Science. New York, Holt, 1949.

37 FERRARIS, Maurizio – Introduction to New Realism. Londres, Bloomsbury Academic, 2014; IDEM – Documentalità: perché è necessario lasciar tracce. Roma‑Bari, Laterza, 2009.

38 HOFFMANN, Ricardo L. – O ser que nos surpreende. The being that surprises us. Ilustrações Jayro Schmidt. Trad. Guilherme A. Leite. Florianópolis, Edição do Autor, 2012, p. 37.

39 MEILLASSOUX, Quentin – Après la finitude. Essai sur la nécessité de la contingence. Paris, Seuil, 2006; MARCHART, Olivier – El pensamiento político posfundacional. La diferencia política en Nancy, Lefort, Badiou y Laclau. Buenos Aires, FCE, 2009.

40 HOFFMANN, Ricardo L. – O ser que nos surpreende, op. cit., p. 111.

41 MEILLASSOUX, Quentin – « Deuil à venir, dieu à venir ». Critique, nº 704‑705. Paris, 2006/1, p.105‑115.

42 IDEM – Le Nombre et la Sirene. Un dechiffrage du Coup de Dés de Mallarmé. Paris, Fayard, 2011.

43 CAMPOS, Haroldo de – A arte no horizonte do provável. São Paulo Perspectiva, 1969; OSBORNE, Peter – Conceptual art. Londres, Thames and Hudson, 2002; IDEM – « The postconceptual condition Or, the cultural logic of high capitalism today ». Radical Philosophy, nº 184. Londres, mar.‑abr. 2014, p. 19‑27; IDEM – El arte más allá de la estética: ensayos filosóficos sobre arte contemporáneo. Murcia, CENDEAC, 2010; FREIRE, Cristina – Poéticas do processo: arte conceitual no museu. São Paulo, Iluminuras, 1999.

44 BUSKIRK, Martha. The contingent object of contemporary art. Cambridge, MIT Press, 2003.

MARTIN, J. Leslie, NICHOLSON, Ben e GABO, Naum (eds.) – Circle: International Survey of Constructive Art. Londres, Faber & Faber, 1937, p. 103‑111.

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